A farmacêutica Mariana Cristina de Morais e o professor Edemilson Cardoso

Farmacêutica desenvolve medicamento de mamacadela para vitiligo

Pesquisa da UFG identifica substância na raiz de fruto do Cerrado e aperfeiçoa tratamento para a doença

É parte do trabalho científico buscar explicações aprofundadas sobre fenômenos e conhecimentos populares transmitidos de geração em geração. Foi isso que levou um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) a se questionar: o que faz a mamacadela (Brosimum gaudichaudii), fruto típico do Cerrado, ser uma opção de tratamento para o vitiligo?

Fruto e a raiz de mamacadela

Após mais de uma década de pesquisa, a equipe descobriu que a resposta está na raiz. E o trabalho continua para entregar à sociedade um medicamento tendo como base o fruto amarelo-alaranjado, comum no território goiano.

“O que faz a mamacadela ser muito utilizada por pessoas com vitiligo é a presença da furocumarina na raiz da planta. Esse composto orgânico tem a capacidade de se associar às bases nitrogenadas que formam o DNA humano e estimular a produção de pigmento na pele. É uma ação de dentro para fora”, explica a farmacêutica Mariana Cristina de Morais, que atuou durante seis anos na pesquisa da UFG voltada ao desenvolvimento do medicamento fitoterápico à base de mamacadela para o tratamento do vitiligo.

Professora na Faculdade Estácio, Mariana contribuiu com o trabalho durante o mestrado e o doutorado em Ciências Farmacêuticas na universidade. Mas a história da pesquisadora com esse tipo de tratamento começou bem antes.

Aos três anos de idade, as primeiras lesões do vitiligo no queixo e no calcanhar começaram a ser notadas pela mãe de Mariana. Após indicações de pessoas conhecidas, ela começou a preparar o chá de mamacadela para a filha, que fez uso do preparo por cerca de um ano. No entanto, o tratamento foi interrompido após o aparecimento de efeitos colaterais (saiba mais no box). Ela também chegou a utilizar outro medicamento conhecido na época, que foi descontinuado por exigências de mais estudos de eficácia.

Recém-chegada no mestrado em Ciências Farmacêuticas na UFG, em 2013, Mariana buscou orientação do professor Edemilson Cardoso da Conceição, doutor e titular do curso de Farmácia da instituição. Ele já desenvolvia o estudo com a mamacadela e a convidou para contribuir. “Foi uma grata coincidência porque ele não sabia que eu era portadora de vitiligo”, revela.


Pesquisa

Até chegar na criação de um medicamento, o trabalho começou na coleta da planta. Mariana descreve que os pesquisadores produziram o extrato de mamacadela a partir da retirada dos compostos da raiz da planta. Esse extrato foi padronizado, foram quantificadas as substâncias nele presentes para, a partir disso, produzir as fórmulas farmacêuticas, que se apresentam de três formas: comprimidos, géis e pomadas.

Outra parte do trabalho incluiu a realização dos testes preconizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão do Ministério da Saúde responsável por estabelecer e fiscalizar as boas práticas de produção de medicamentos. “Realizamos testes de dissolução, de solubilidade, de Ph e fizemos ensaios in vitro com animais para saber a eficácia das fórmulas. Depois de tudo isso, verificamos uma eficácia de até 75%”, relata Mariana. Os testes de eficácia foram feitos durante o doutorado da farmacêutica, no período de 2016 a 2019.

A pesquisa estabelece que o tratamento deve ser feito com a combinação da ingestão de comprimidos e o uso das fórmulas (gel ou pomada) na pele. “Além de ser menos agressivo [ao organismo], que é um ponto positivo por ter menos efeitos colaterais, o medicamento tem menor custo em relação aos demais tratamentos que existem no mercado”, pontua a farmacêutica.

O usuário deve ingerir o comprimido e depois aplicar a loção. Em seguida, deve aguardar por 30 minutos e ficar 15 minutos em exposição solar, no horário recomendado das 7h às 10h da manhã ou depois das 16h. A capacidade da furocumarina, substância presente na mamacadela, de promover ligações com as bases nitrogenadas do DNA é ativada por meio dos raios solares. Mariana destaca que não é recomendada a exposição solar das 10h às 16h.

Após a exposição ao sol, Mariana destaca que o usuário deve lavar totalmente a área em que foi aplicada a loção. “Manter o produto por mais tempo que o indicado pode ocasionar queimadura”, alerta.

Apesar de a pesquisa estar avançada e apresentar resultados positivos, com eficácia considerável dos produtos, a produção em larga escala e a comercialização dos medicamentos só acontecem após a realização dos testes clínicos, ainda não completos.

A farmacêutica Mariana Cristina de Morais e o professor Edemilson Cardoso


Sustentabilidade

A pesquisa não está atenta apenas às questões farmacológicas do medicamento. O manejo sustentável da mamacadela é outro aspecto que complementa o estudo. “Temos uma preocupação com os aspectos ambientais e agronômicos [da produção do medicamento]. A parte que utilizamos da planta é a raiz e precisamos nos preocupar com a parte ambiental [e o manejo sustentável dessa pesquisa]”, expõe Mariana.

Por ser um medicamento fitoterápico, toda a matéria-prima se origina da planta, cuja raiz precisa de um ano para ser maturada e estar pronta para uso. “Todas as vezes que retiro a raiz inviabilizo aquela planta. O estudo que estou fazendo é para ter uma planta que alcance um estágio de maturação em menos tempo, de modo a ter o manejo sustentável da planta e o medicamento seja produzido sem agressão ao meio ambiente”, explica.

Para isso, essa etapa do trabalho é desenvolvida em parceria com a Faculdade de Agronomia da UFG. “Consigo dizer que os estudos estão bem avançados. Temos resultados prévios muito positivos para conseguir entregar essa matéria-prima para uma futura indústria interessada”, revela preliminarmente.


Pesquisadora alerta para cuidados no uso de medicamentos fitoterápicos

Não é por ser fitoterápico, de origem natural, que um medicamento está completamente livre de efeitos colaterais. A mamacadela (Brosimum gaudichaudii) é descrita por possuir efeitos hepatotóxicos se usada por longos períodos, sem acompanhamento profissional e na dosagem inadequada.

A farmacêutica e doutora em Ciências Farmacêuticas, Mariana Cristina de Morais, portadora de vitiligo, relata que, em razão do desconhecimento dos efeitos a longo prazo do uso do chá de mamacadela, teve sintomas de intoxicação quando criança. “Como tomei de maneira indiscriminada, sem instruções de profissional de saúde, tive efeitos hepatotóxicos. Sentia dor no estômago e comecei a ter perda de apetite”, conta.

O relato pessoal de Mariana serve de alerta a toda a sociedade. Ela reforça que o medicamento que está sendo desenvolvido pela UFG deve ser utilizado conforme as orientações profissionais. Como parte do tratamento consiste na aplicação de gel ou pomada combinada à exposição solar, ela acrescenta que há riscos de queimaduras. “Após o período de exposição ao sol, é necessário limpar completamente a área onde foi aplicada a fórmula”, recomenda. Ela também enfatiza os horários adequados para exposição solar: das 7h às 10h da manhã e depois das 16h.

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