Pesquisas nacionais criam soluções rápidas e seguras para prevenir intoxicações e reforçam o papel da ciência na proteção da população

Diante do aumento dos casos de intoxicação por metanol em bebidas adulteradas, pesquisadores brasileiros têm se mobilizado para desenvolver soluções acessíveis, confiáveis e eficazes. Entre as iniciativas, destacam-se os testes criados pela empresa Macrofen, fruto de uma pesquisa da Universidade de Brasília (UnB), além de métodos aprimorados por cientistas da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Da pesquisa à inovação

O pesquisador Arilson Onésio Ferreira Filho, mestre em Físico-Química pela UnB e sócio-fundador da Macrofen, explica que o desenvolvimento do teste de metanol em bebidas surgiu a partir de pesquisas realizadas inicialmente para combustíveis.

“Em 2009, uma rede de postos de São Paulo nos procurou alegando que estava sendo multada por ter metanol no combustível, mesmo sem adulterá-lo. Esse caso foi o ponto de partida para nossa pesquisa, liderada pelos professores Paulo Soares e Guilherme Bandeira, que se tornaram os pais da tecnologia. Eles adaptaram métodos antigos e aperfeiçoaram cálculos para criar um teste confiável de metanol em diferentes matrizes”, conta Arilson.

A dissertação de Guilherme Bandeira, concluída em 2011, já abordava a aplicação do teste tanto em combustíveis quanto em bebidas alcoólicas. Arilson reforça:

“O método da UNESP, frequentemente citado na mídia, é na verdade um aperfeiçoamento do trabalho pioneiro da UnB. Todas as tecnologias modernas seguem o mesmo princípio: oxidar o metanol a formaldeído e depois revelar sua presença por mudança de cor na solução.”

Transformando pesquisa em produto

A Macrofen nasceu como uma startup de base tecnológica, com o objetivo de levar à sociedade as soluções desenvolvidas na universidade.

“Transformar tecnologia em produto exige mais do que um método químico. É necessário pensar em prazo de validade, autorizações de venda, controle de matéria-prima e confiabilidade do resultado. Hoje, vendemos o kit por cerca de R$ 45, incluindo todos os instrumentais necessários. Reagentes para próximas análises custam R$ 25 cada”, detalha Arilson.

O teste fornece resultados em 16 minutos para bebidas alcoólicas, tempo necessário para garantir precisão na leitura. Ele alerta sobre a presença natural de metanol em bebidas artesanais:

“Algumas cachaças mais baratas podem apresentar coloração azul clara, representando metanol em quantidade segura, fruto do processo natural de fermentação. Bebidas de qualidade superior não apresentam metanol em níveis preocupantes.”

O teste criado pela startup brasiliense Macrofen é capaz de identificar metanol em bebidas alcoólicas em apenas 16 minutos

Foto: Macrofen (2025)

Distribuição e público-alvo

O kit é direcionado principalmente a órgãos de fiscalização e instituições públicas, como Polícia Civil e Fiocruz. Arilson explica que, embora existam pedidos de pessoas físicas e bares, a prioridade é atender os órgãos que podem utilizar o teste em larga escala:

“Temos logística nacional, com transportadoras e autorização de transporte IATA, garantindo que o produto chegue a qualquer cidade do país.”

Outras pesquisas nacionais

-Universidade Estadual Paulista (Unesp)

Pesquisadores da Unesp, em Araraquara, desenvolveram uma técnica em 2022 capaz de detectar metanol em bebidas e combustíveis em poucos minutos, sem equipamentos sofisticados. O método utiliza duas etapas químicas: primeiro, transforma o metanol em formaldeído; depois, revela a substância por mudança de cor na solução. O tempo de reação é de 15 minutos para bebidas e 25 minutos para combustíveis.

-Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)

Pesquisadores da UEPB desenvolveram um método com base em espectroscopia no infravermelho que identifica adulterações em garrafas mesmo lacradas. O resultado com 97% de acerto, sai em poucos minutos e não utiliza reagentes químicos. O equipamento emite luz infravermelha sobre a bebida, provocando a agitação das moléculas. Em seguida, um software interpreta o sinal retornado e identifica substâncias estranhas à composição original, como metanol ou água adicionada para diluição.    

       Na UEPB, o equipamento emite luz infravermelha sobre a garrafa, mesmo quando lacrada, para identificar a presença de metanol.

Foto: UEPB (2025)

-Universidade Federal do Paraná (UFPR)

Na UFPR, o Laboratório Multiusuário de Ressonância Magnética Nuclear adaptou uma tecnologia utilizada em exames médicos para análise de bebidas alcoólicas. O método requer apenas 0,5 ml de amostra.

O sistema gera um espectro químico detalhado em cerca de 5 minutos, capaz de detectar a presença de metanol, mesmo em líquidos complexos, como bebidas com corantes, frutas ou aditivos.

O método desenvolvido pela UFPR gera um espectro químico detalhado em apenas 5 minutos, capaz de detectar metanol em bebidas alcoólicas.

Foto: UFPR (2025)

A importância da ciência no desenvolvimento de soluções que protegem a saúde
 

Para o pesquisador e sócio da Macrofen,  Arilson Onésio, a pesquisa científica é fundamental para qualquer sociedade, não apenas na saúde, mas também no bem-estar e na segurança das pessoas.

“Na minha opinião, o passo primordial para o desenvolvimento de uma sociedade não é apenas a economia ou a política, mas a ciência. Ela é um investimento que muda a realidade social das pessoas. E a ciência acontece dentro do contexto social, atendendo às demandas e interesses da população. Em um país democrático como o nosso, as vozes da população  precisam ser ouvidas nesse processo de desenvolvimento científico, caso contrário, a ciência perde sua aplicabilidade”, afirma.

Por Mayara da Costa – Jornalista do CRF-GO