Entrevista com Ane Trento -
A cada 40 segundos, uma pessoa tenta suicídio. Anualmente, quase 800 mil pessoas morrem por suicídio no mundo. Mulheres tentam três vezes mais o suicídio, enquanto homens o cometem três vezes mais. O suicídio mata mais do que o HIV, a malária, o câncer de mama, guerras ou homicídios. Esses são dados alarmantes da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
Apesar da gravidade, persiste o mito de que falar sobre suicídio pode "influenciar" negativamente pessoas que têm ideação suicida, criando um tabu que gera estigmas sociais. Isso faz com que o tema seja banalizado e, muitas vezes, afasta aqueles que mais precisam de ajuda. Vale lembrar que o suicídio afeta não apenas adultos, mas também crianças e adolescentes, que enfrentam o adoecimento mental. Por isso, é crucial falar sobre suicídio.
A farmacêutica Ane Trento, mestre em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal de Goiás (UFG), especialista em Assistência Farmacêutica na Atenção Básica e membro do GT de Serviços Clínicos do CRF-GO, traz uma visão importante sobre o tema. Com mais de 10 anos de experiência no atendimento a pacientes com transtornos mentais graves e persistentes na Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia, Ane destaca a importância de quebrar o silêncio e abordar o suicídio de forma preventiva.
Em entrevista ao CRF-GO, Ane explica as principais causas do suicídio, as estratégias mais eficazes para preveni-lo e o papel crucial do farmacêutico nesse contexto. Ela também aborda como os profissionais de saúde podem trabalhar junto às famílias para garantir um cuidado integral e contínuo aos pacientes em risco.
1) Existe um senso comum que sugere que falar sobre suicídio pode "influenciar" negativamente aqueles que têm ideação suicida. No entanto, a Campanha do Setembro Amarelo incentiva o diálogo aberto sobre saúde mental para prevenir o suicídio. Em sua opinião, qual é a importância de falar sobre a prevenção do suicídio?
Ane Trento - Qualquer tema relacionado à saúde mental ainda é cercado de estigmas e tabus. Hoje, fala-se mais sobre depressão, ansiedade e transtorno bipolar, mas quando o assunto é suicídio, as pessoas tendem a evitar. Embora não seja confortável discutir esse tema, é extremamente importante, pois o número de tentativas e de suicídios concretizados é alarmante.
Falar sobre o suicídio é fundamental, pois muitos pacientes relatam que, se tivessem tido alguém para conversar ou se suas famílias soubessem identificar os sinais de alerta, talvez a situação tivesse sido diferente. As pessoas que têm ideação suicida costumam dar sinais, e é crucial reconhecê-los para oferecer apoio. Os farmacêuticos, que têm contato direto com pacientes em tratamento, muitas vezes estão em uma posição privilegiada para perceber esses sinais e encaminhar o paciente para os cuidados necessários.
Falar sobre suicídio é falar sobre um processo de adoecimento que acomete milhares de pessoas no mundo, o tempo inteiro, e temos visto, com frequência, além de adultos cometendo suicídio, crianças e adolescentes também, infelizmente.
É um mito pensar que tocar no assunto pode encorajar alguém a cometer suicídio. Pelo contrário, falar sobre isso é uma forma de prevenção, é mostrar que existe ajuda e que é possível intervir.
2) Quais são as principais causas que levam ao suicídio e quais são as estratégias mais eficazes para preveni-lo, especialmente no contexto da atuação farmacêutica?
As principais causas que levam ao suicídio envolvem dois fatores principais: tentativas prévias e o adoecimento mental. Pacientes que já tentaram suicídio têm um risco maior, assim como aqueles com transtornos mentais não diagnosticados, não tratados ou tratados de forma inadequada. Cerca de 40% dos casos de suicídio estão relacionados à depressão ou aos transtornos de humor como o transtorno bipolar, especialmente em sua fase depressiva.
Além disso, o uso de álcool e abuso e dependência de outras drogas tem se tornado um fator crescente, especialmente entre os jovens, aumentando o risco de suicídio.
Quanto à prevenção, algumas estratégias importantes são:
- >Ouvir o paciente sem julgamentos.
- >Não subestimar sinais ou queixas sobre a vida.
- >Em pacientes que fazem tratamento, é importante perguntar sobre a ideação suicida, se ele se sente bem com a vida, se em algum momento ele já pensou em não estar vivo, se existe algum motivo que o mantem vivo aqui e reacender esse motivo.
- >Valorizar a queixa do paciente sem fazer julgamentos
- >Orientar familiares para avaliar se há meios acessíveis para o paciente cometer suicídio e se já existiu uma tentativa prévia.
- >Avaliar continuamente a saúde mental dos pacientes, especialmente aqueles em tratamento com antidepressivos, já que, em casos de depressão grave, o início do uso desses medicamentos pode aumentar temporariamente o risco de suicídio porque a energia do paciente é elevada com o uso do medicamento.
No contexto farmacêutico, é fundamental que os profissionais realizem o acompanhamento farmacoterapêutico de perto, mantendo contato frequente com os pacientes e fazendo encaminhamentos quando necessário. Além disso, cabe ao farmacêutico orientar sobre o uso seguro de medicamentos para evitar que eles se tornem um meio de autointoxicação, que é uma das formas mais comuns de suicídio.
Nós, farmacêuticos, podemos acompanhar esses pacientes fazendo retornos em intervalos mais curtos ou mantendo contato com eles por telefone , por mensagem, pelo contato pessoal. Isso nos permite observar esse paciente de perto e fazer os encaminhamentos necessários.
Vale lembrar também que a ideação suicida ou a tentativa de suicídio é um caso de internação psquiátrica, então também cabe a nós, farmacêuticos, como profissionais de saúde, fazermos esses encaminhamentos de forma assertiva para o psiquiatra avaliar.
3) Pesquisas mostram que as mulheres tentam o suicídio com mais frequência do que os homens, embora os homens cometam suicídio em maior número. A que fatores ou circunstâncias você atribui essa diferença?
Essa diferença de gênero é interessante porque ela é multifatorial. Os homens morrem por suicídio três vezes mais que as mulheres, mas as mulheres tentam suicídio três vezes mais que os homens. Isso pode ser atribuído a vários fatores. Os homens, em geral, têm mais força física e maior tendência a comportamentos de risco, além de terem menos fatores de proteção social, como laços comunitários e familiares.
As mulheres, por outro lado, adoecem mais mentalmente, principalmente de depressão e ansiedade, e tendem a procurar ajuda com mais facilidade. A combinação desses fatores faz com que, embora as mulheres tentem mais o suicídio, os homens cometam mais o ato.
4) Como o farmacêutico pode desempenhar um papel eficaz na prevenção do suicídio, tanto no ambiente da farmácia quanto em colaboração com outros profissionais de saúde?
O farmacêutico tem um papel crucial, pois cria um vínculo de confiança com os pacientes, que muitas vezes se sentem mais à vontade para falar com o farmacêutico do que com outros profissionais de saúde. Esse vínculo permite ao farmacêutico identificar sinais de risco, orientar sobre fatores de proteção e fazer encaminhamentos para psicoterapia ou psiquiatria.
Além disso, o farmacêutico pode acompanhar de perto o uso de medicamentos psicotrópicos, essenciais para o tratamento de transtornos mentais, e garantir que o paciente faça uso correto para evitar intoxicação, uma das formas mais comuns de suicídio. A atuação farmacêutica envolve tanto o acompanhamento da adesão ao tratamento quanto a avaliação do risco de suicídio em pacientes em uso de antidepressivos, especialmente em casos graves.
5) Baseando-se em sua experiência, como o farmacêutico pode trabalhar em conjunto com as famílias e outros profissionais de saúde para garantir um cuidado integral e contínuo ao paciente com risco de suicídio?
Essa pergunta tem muito a ver com educação em saúde e como é que o farmacêutico faz isso? Orientando. O farmacêutico pode orientar tanto os pacientes quanto seus familiares sobre a importância de valorizar as queixas e os sinais de risco. Em grupos de educação em saúde ou no acompanhamento domiciliar, o farmacêutico pode trazer as famílias para perto, ajudando na adesão ao tratamento e garantindo que o paciente receba o suporte necessário.
Outra coisa importante de se falar é sobre as presenças de doenças que antecedem as doenças psquiátricas como é o caso de doenças terminais como alguns tipos de câncer. Muitas vezes as pessoas adoecem, do ponto de vista físico, já pensando que não tem mais saída, que não tem perspectiva de vida e acabam cometendo suicídio. Esse também é um momento que o farmacêutico pode intervir e orientar sobre o tratamento daquela doença e sobre os possíveis tratamentos psquiatricos que existem para melhorar a expectativa relacionada à vida desses pacientes.
Trabalhar em conjunto com outros profissionais de saúde, como psicólogos e psiquiatras, também é essencial. Participar de reuniões e discussões de caso em equipes multiprofissionais permite ao farmacêutico contribuir com sua expertise em farmacoterapia e garantir que o paciente tenha um acompanhamento integral.